A velocidade da comunicação está viciando uma geração em absorver informações muitas vezes vazias e inibindo a parte mecânica do aprender – apenas “o saber” não é ter “o conhecimento”.
Depois de vários anos sem dar aulas de guitarra, violão e contrabaixo voltei a essa atividade que sempre foi tão gratificante para mim. Me sinto mais útil e funcional quando consigo passar algo que o outro vai carregar para a sua vida – isso me torna mais humano. Gosto de compartilhar todas as minhas experiências com a música.
Ensinar o que eu sei, o que aprendi de verdade. Quando sou apresentado a um novo possível aluno, evito usar uma linguagem musical para impressioná-lo ou desfilar escalas e acordes complicados em uma aula teste. Na maioria das vezes, esse tipo de ação desmotiva quem está querendo iniciar na música.
Poucos alunos se empolgam no começo, normalmente são aqueles que já tocam e estão ávidos por técnicas, novas ideias e métodos. É importante “conhecer” o outro no primeiro dia, apresentar a ele o que é possível dentro das possibilidades que lhe cabem naquele momento e assim criar uma conexão.
Fiquei cinco anos dando aulas de música em um colégio alemão. Neste tempo, tive alguns excelentes alunos. Apenas alguns. Nem todos estavam a fim de aprender música de verdade, outros estavam ali porque eram os pais que queriam, achavam bonito ver o filho em um palco ao final de cada semestre (acho que era pura vaidade). Já a maioria ficava ali para matar o tempo, como uma forma de ter uma aula complementar pois os pais só os pegavam na escola ao final do dia de trabalho.
Forma-se aqui um quadro difícil para o professor: a falta de interesse da maioria dos alunos. E, para mim, a primeira barreira. A motivação eu buscava naqueles que queriam aprender música de verdade. Para os demais, antes de qualquer aula, eu tinha que encontrar um sentimento, vontade e interesse dentro daqueles pequenos “brisados”, como eles mesmos falavam (gíria da época).
E, com isso, muitas vezes perdia-se muito tempo com conversas, inventividades dentro de uma linguagem musical para que algo ali se despertasse. Funcionou várias vezes e isso me enchia de orgulho.
No entanto, como a música por ali não era uma matéria curricular, por muitas vezes, me senti uma babá. Tive que buscar aluno na quadra, procurar no pátio, parquinho, às vezes parecia brincadeira de esconde-esconde. Me lembro de um aluno que era muito pequeno e vez ou outra precisava colocá-lo para dormir. Nada contra, mas eu estava ali para despertar novos músicos.
Vida que segue
Outro desafio era que, a cada seis meses, tínhamos uma audição. Nela, formávamos bandas com os alunos e, não raramente, precisávamos completar os integrantes com os próprios professores. Em vários momentos isso chegou a ser frustrante, já que a banda acabava sendo formada apenas por um aluno e nos outros instrumentos ou vocal tínhamos professores. Mas valia a pena pelo esforço e dedicação do pequeno músico.
Vários alunos ficavam fora das apresentações por não estarem aptos, já que a experiência tem que ser agradável para o ouvinte, prazerosa para o aluno e satisfatória para o professor. Quando recebiam as listas dos participantes e ficavam sabendo que não estavam incluídos para a audição, tanto os alunos como os pais buscavam uma satisfação, um esclarecimento com a direção da escola sobre porque os filhos não participariam naquele semestre.
Era sempre uma situação desagradável e desgastante. A história era sempre a mesma: os pais cobravam resultados dos professores, mas não dos filhos, os alunos.
Voltar a dar aulas trouxe também a minha primeira experiência como professor pós anos 2000, uma segunda barreira, talvez a pior e mais desmotivadora. Todos os alunos já tinham celular, tablet ou computadores, inclusive as crianças menores. E tudo isso com acesso a aplicativos, YouTube e a velocidade na informação. O resultado disso era muita impaciência para aprender música.
Hoje tudo é muito rápido. Eu cobrava resultados, dizia a eles que precisavam praticar em casa. E ouvia: “Depois procuro na internet, vejo no YouTube!”. Pior! Os pais também perguntavam: “Eles precisam mesmo praticar em casa? Já levam tantas lições! Isso é um absurdo!”. Sim, já ouvi isso. Isto é um absurdo!
Infeliz esta é minha observação, mas percebo que o melhor resultado é sempre esperado do próximo, estamos cada vez mais distante das nossas falhas e fracassos. Resultado: segurei cinco anos de aulas e acredito ter aposentado a minha carreira de professor/babá de música.
O imediatismo, a falta de respeito e educação mais a superproteção dos pais modernos são partes de um mundo novo que ainda não me adaptei. Por isso jogo a toalha. Não vou comprar uma briga que não é minha.
Alunos automatizados, seres automatizados
Hoje, quando dependemos de um terceiro para avaliar o nosso resultado, coloca-se em risco a nossa competência e posição, sob um julgamento desonesto por um mau desempenho e aplicação das atividades mal executadas pelos alunos.
As atividades e sentimentos humanos estão cada vez mais distantes, seja a partir de uma ligação telefônica, na qual a atendente consegue apenas ler um protocolo sem muitas vezes não ter a menor ideia do que está falando ou, até mesmo, um bom dia frio e inexpressivo da caixa do supermercado.
Estamos nos tornando seres automatizados, guiados por dispositivos e aplicativos instalados, mas precisamos nos dar conta que um dia a bateria acaba e talvez não saberemos mais reiniciar o sistema.
A nova geração acredita que a informação, conhecimento e sabedoria possam se absorver como o descarregar de arquivos de um pendrive em suas máquinas (talvez um dia destes). Pior! Os pais acreditam na mesma coisa. Seus filhos são gênios porque nasceram com os olhos abertos, crianças Cristais da geração Z com extrema sabedoria natural.
Todo mundo sabe tudo, mas não tem o conhecimento de nada.
Como o exemplo, na música, existe a parte mecânica nos exercícios, o contato. Pegar o instrumento, digitação cromática, formação de acordes, o trabalho em conjunto e por aí vai. O cair, se erguer novamente, bater a cabeça, errar, acertar, ter méritos, faz parte de um aprendizado que está cada vez mais distante.
São coisas simples e naturais que nos torna mais humanos, com sentimentos e compaixão. Estamos nos tornando um cubo de vidro polido com cantos perfeitos onde refletimos apenas o que o outro quer ver, tudo com apenas um toque e expressão fria.
Aqui conto a minha experiência com a música, mas observo a mesma coisa no meu dia a dia, a minha volta e em outras atividades. Sim, precisamos praticar mais o afeto, o interesse, a companhia, o calor humano, o amor. A vida.