Em um ano tão fora do normal, com o mundo inteiro trabalhando de um jeito “diferente”, quero saber, você acredita na autogestão?
Tudo ia bem até março chegar e o lockdown, que já havia aparecido por outros países, pintar por aqui e pegar praticamente todas as empresas de surpresa.
Eu tive a oportunidade de estar em uma empresa de grande porte, tradicional e burocrática na época em que todos fomos mandados para casa, sem nenhum tipo de previsão de quando retornaríamos ao trabalho dentro das salas de escritório.
Já era de se esperar que empresas muito centralizadoras e tradicionais ficariam um pouco perdidas com seus funcionários indo trabalhar em esquema de home office sem nenhuma organização prévia ou alguma reunião pra se preparar para a rotina dos próximos dias.
O que restou para a maioria das empresas foi confiar em seus funcionários e pensar em como seria o monitoramento e as entregas dali pra frente. Resultado: Alguns gestores surtando, perdendo o sono, funcionários perdidos e demandas voando por aí!
Já falamos sobre alguns tipos de estruturas e o como cada uma se comporta, mas só para te lembrar, empresas com informações centralizadas, tendem a não ter muita agilidade para dissipar informações.
Sendo assim, quem se deu melhor nessa confusão generalizada que foi março / abril de 2020? Isso mesmo, empresas que já possuíam um modelo em rede ou um modelo de autogestão instaurado.
Claro, não estou generalizando por aqui, longe de mim! Estou falando do cenário que vi e de alguns estudos que encontrei.
Vou começar trazendo dois cenários que eu vivenciei durante a pandemia, pra poder exemplificar o que estou querendo dizer, vem comigo e depois me responda: Você acredita em auto gestão?
1 . Rede Pocante:
A Rede Pocante nasceu na pandemia praticamente.
Se trata de um grupo de pessoas entusiasmadas e de diversas áreas de atuação, que resolveram se juntar para prestar serviços para o Terceiro Setor. A ideia é profissionalizar essa galera e torná-las auto sustentáveis para poderem gerenciar melhor o seu tempo, dinheiro e trabalho.
Mas somos em 12!
Algumas dessas pessoas nunca se viram pessoalmente, para se ter uma ideia. Como fazer algo nascer nesse contexto online e mais, como fazer dar certo?
Bom, para começar, foi definido que seríamos um grupo sociocrático. Essa parte ainda está sendo uma novidade para mim, confesso.
Entender e se acostumar com um método de gestão compartilhada, onde não é a maioria quem define o rumo das coisas, nada vem definido de cima, porque não existe o “em cima” é de fato uma experiência nova e apaixonante.
Como não existem chefes ou “cobranças de demanda”, as coisas acabam fluindo de uma maneira mais orgânica, bem como se prega na sociocracia, que entende que as empresas são como organismos vivos.
Não vou me aprofundar nos conceitos da sociocracia pois não é bem esse o objetivo, mas pra contextualizar vocês do que a autogestão tem a ver com isso, nesse modelo, cada pessoa é responsável por energizar um papel dentro da rede e, como tal, ela será responsável por desempenhar as tarefas referentes a ele.
Ufa, ficou confuso?
Calma!
Eu por exemplo, energizo o papel de comunicação. Isso me traz tarefas referentes a essa área de atuação. Mas não existe ninguém para me cobrar ou para dizer como eu devo atuar, nem mesmo para me dizer quais ações eu devo realizar dentro da rede, referentes a comunicação.
Entendeu?
No livro “Muitas vozes, uma canção” de Ted J. Rau e Jerry Koch-Gonzales, existe uma parte que fala exatamente do paradoxo que é ensinar a autogestão. A ironia, para eles, está exatamente no fato de dizer às pessoas como governarem a si mesmas. E de fato, muito me foi passado quando decidi integrar a Rede Pocante!
Principalmente formas de me organizar melhor e como saber lidar com a autogestão. A maior aliada nessa missão se chama: Ferramentas!
Na sociocracia existe uma ferramenta que facilita o deadline, fora dela, existem milhares.
Eu por exemplo uso o Trello por muito tempo, mas nunca havia usado de uma maneira tão eficiente quanto depois de definir que seguiria os padrões da autogestão para meu dia a dia.
Resumo da ópera: Na Rede Pocante foi completamente fluida e orgânica a construção de uma Associação, do zero, de maneira completamente online, com reuniões via call 100% organizadas e otimizadas.
Existe uma pauta a ser tratada a cada encontro, todes possuem suas tarefas bem alinhadas e expostas para todas as outras pessoas da Rede, não existem cobranças, apenas alinhamento. Nenhuma reunião foge do controle, do foco, do tema. Todas possuem horário e na maior parte das vezes, cumprimos perfeitamente esses prazos.
Acreditam que com a autogestão, a sociocracia e todo esse novo universo que a pandemia me apresentou, a gente ainda fez amizades entre nós? Tudo online! Isso é muito 2020 rsrs.
2. Empresa tradicional
Como eu disse, quando se iniciou a pandemia, eu estava ainda em uma empresa tradicional. Não apenas nessa, mas ainda tive a oportunidade de prestar serviços para outras empresas tradicionais. O cenário que encontrei foi completamente oposto ao que trouxe no exemplo 1.
As pessoas não sabiam ainda como lidar, os gestores não tinham as informações sobre como tudo funcionaria e, muito menos, como fariam para “administrar” o tempo e o trabalho de seus colaboradores, estando em casa. Resultado, muitas reuniões sem um assunto específico definido, muito tempo perdido, nada de pauta e consequentemente, nenhum controle sobre a hora de terminar cada uma dessas reuniões via call.
Em uma delas, experienciei um “líder” que duvidando da produtividade de uma das pessoas, pediu que mantivesse a câmera aberta enquanto estivesse trabalhando. Imagina que desconfortável não foi essa situação para essa pessoa.
Vocês conseguem observar a diferença entre uma e outra?
Na primeira, ninguém cobrava ninguém. A liberdade é uma aliada da produtividade e a auto-cobrança às vezes é muito mais dura que a cobrança que vem de cima.
Confiar no time que se tem consigo, é talvez a melhor arma que uma liderança poderia ter durante esses tempos estranhos.
Resultado?
Não acho que exista o certo ou o errado. Trazendo novamente o exemplo da Dobra (que já deve ter ficado claro que eu amo muito rs), uma empresa “tradicional”, que poderia ser enquadrada como startup, tudo funciona perfeitamente e eles continuam em crescimento constante, com uma cultura 100% de autogestão.
Não existem cargos, existem tarefas, não existe diferença salarial, todos ganham o mesmo valor, não existe chefe, não existe dono, não existe tempo máximo ou mínimo de férias. Simplesmente, os funcionários são quem definem tudo o que farão, de acordo com o que precisa ser feito.
Então te refaço a pergunta: Você acredita em autogestão?
Mas dessa vez eu vou além, porque você não acredita (caso essa tenha sido a sua resposta rsrs). Será que não é por uma questão cultural que você cresceu aprendendo ser a melhor e mais correta? Será que não é por uma dificuldade de não ter as coisas sob controle? Será? Será?
Abre esse seu coraçãozinho, a gente já falou sobre permitir novos olhares antes heim.
Se eu puder dar só uma sugestão, seria exatamente a de explorar ferramentas que possam te auxiliar a ter uma visualização geral das tarefas que estão em andamento, gerenciar melhor o tempo das reuniões e torná-las mais objetivas, confiar no time que está ao seu lado e empoderá-lo, para que se sinta parte do todo que a empresa está construindo.
Quanto mais desconfiança você colocar no coraçãozinho dessas pessoas, menos resultados você obterá, menos qualidade de vida eles terão e ninguém estará satisfeito, nunca, com esse ciclo.
Eu desejo a vocês um 2021 com novos olhares, novas possibilidades e MUITA autogestão / autocontrole haha.
Segura firme, 2020 acabou.