A música popular se tornou extremamente comercial enquanto a música em seu “formato” arte voltou a ser ARTE
As notas dissonantes nos causam estranheza muitas vezes. É, uma diminuta aqui, intervalos de meio tom ali, escalas Menor Harmônica ou até mesmo um Acorde de Empréstimo Modal. As diferenças impostas por alguma intervenção na música podem nos dar tensidade, apreensão, passagem, susto, enfim diversas sensações “emocionais” diferentes dentro de uma obra.
Temos as nossas sete notas musicais e seus intervalos, totalizando 12 notas em um instrumento temperado, assim como para as cores temos as primárias e as terciárias. Bemol ou Sustenido, entre outras enarmonias, muitas vezes criam um certo conflito e geram discussões sobre o que é a realidade em um ou outro ponto de vista, sem se dar conta que estamos falando sobre a mesma coisa.
Cria-se momentos infindáveis nos quais cada pessoa quer provar que está certa sobre o seu argumento e não chegam a lugar algum considerando que, ao final de cada batalha, com um tempero picante, a simples conclusão é: – O meu interlocutor é um burro!
Prefiro a “versão do artista” – eu também sinto a necessidade de expressar a minha arte.
Quando vamos tocar em conjunto, as afinações têm que estar perfeitas e o ensaio alinhado. Sim, alinhado. Um mapa da música definida. Pelo menos é o que me proponho ao tocar em banda, duo, trio, ou seja lá como for. Não faço COVER como já citei e explico o meu ponto de vista em outro texto. Prefiro a “versão do artista” e também sinto a necessidade de expressar a minha arte, seja ela na música, desenho ou vídeo.
Tudo ok, um, dois, três e segue a banda. Muitas vezes rola um “Jazz”, alguém destoa aqui, outro ali, mas vamos nos encontrando em nossa linguagem. Sendo assim, dentro de um mapa definido pela banda, encontramos o espaço de cada músico dentro de cada obra, nota a nota.
Um timbre mais grave que o original, uma pentatônica passa a ser mais doce ao se tornar diatônica respeitando a sua organização tonal criando e formatando “a cara da banda”, que executa a composição já existente de forma original. A execução em uma linguagem própria ainda pode nos dar maior margem para uma futura composição autoral e independente saindo da formatação do “tudo igual”.
Quantas bandas COVERS passam a compor um trabalho próprio e, pelo vício do óbvio, suas composições se tornam o mais do mesmo e por vezes parecem uma continuação daquilo que os seus ídolos já faziam?
A música popular se tornou extremamente comercial enquanto a música em seu “formato” arte voltou a ser ARTE.
Diferentes formas de se tocar uma obra nos leva às diferentes formas de nos comunicar. O incomum nos deixa avesso ao que é apresentado de diferente e não é por um acaso que hoje existem estudos para se colocar algo novo no mercado. A música se tornou sim algo extremamente comercial e, para a maioria, fazer sucesso é estar nas rádios, bombando nos streamings, tv etc.
Sem criticar gêneros ou estilos musicais o tal do “óbvio” é facilmente percebido por quem trabalha com a música (muitas vezes até mesmo por quem é de fora). Letras, harmonias, melodias e ritmos são sempre semelhantes, não se importando em garantir um espaço para um novo clássico e sim mais dinheiro na conta.
A música como arte voltou ao seu lugar de ARTE e a música popular pegou carona em um ônibus lotado das 9h às 18h, com uma pausa durante a noite entre um telejornal e outro. A ARTE na sua mais pura expressão se afasta da arte popular justamente pelas dissonâncias, uma espécie de vocabulário “mais rico” no qual nem todos se fazem entendedores.
Na linguagem, as enarmonias também aparecem quando defendemos as mesmas coisas estando do lado, vestindo camisas ou levantando bandeiras diferentes.
As ENARMONIAS das palavras e situações, a ARTE de se desenvolver um assunto e os VOCABULÁRIOS desfilados em uma conversa, quando presentes, pode torná-las – as conversas – mais delicadas. Quantas vezes nos encontramos em um conflito até mesmo com quem convivemos e amamos por não estarmos equalizados na mesma linguagem aplicada e entendida, seja nossa ou daquele com quem estamos compartilhando uma discussão?
Mais uma vez aqui estamos acomodados a assimilar aquilo que nos melhor convém, seja ela uma situação ou forma de expressão.
Dependendo da conversa, afinar a linguagem em um grupo nem sempre é sucesso. Experimente a “máxima popular”, discutir religião, futebol ou política! Estes são alguns dos assuntos que geram polêmicas e que nos levam ao risco de perder a amizade.
Ser educado e compreender o ambiente em que nos encontramos para um bom bate papo é como cair em uma festa, onde você vai pela amizade, mas chegando lá pode se deparar com um estilo de música que não é do seu agrado. Isso pode acontecer com aquele amigo, parente, extraterrestre, seja quem for, que tenha uma religião ou torça para um time diferente ao nosso.
A melhor coisa a se fazer é fugir do assunto pertinente às diferenças, ou então, como em um instrumento de cordas velhas a mesma poderá arrebentar.
Qual é a música?
Em uma rápida analogia às duas condições – música e vida – hoje vemos muitas bandas acabando, instrumentos que não afinam e turnês que já não mais acontecem. Antes empunhávamos uma guitarra, jogávamos toda a nossa fúria em uma bateria, berrávamos ao microfone palavras de amor ou protesto. O inimigo sempre estava do outro lado.
Precisamos nos entender mais, encontrar um caminho no qual o vocabulário seja mais acessível e derrubar por um tempo as dissonâncias criando uma harmonia mais leve e doce. Precisamos dialogar em uníssono, ser generosos, ter humildade, conquistar e oferecer destaque a cada um em seu lugar de fala, mas sempre na mesma frequência e altura.