Na música como na vida, harmonia e melodia se alinham na mesma canção.
Harmonia e melodia, duas palavras, duas condições dentro da música. Para quem está aprendendo normalmente são duas situações fáceis de se confundir. Me sinto à vontade em comparar ou fazer analogias com tudo aquilo que possa parecer mais simples para o entendimento, sendo mais fácil situar-se de forma prática dentro da atividade “música”.
Quando explico harmonia, esbarro em um mundo desafinado. Nos atropelos das pessoas de um lugar descompassado e sem ritmo, onde não temos um “solista” ou um “líder” que nos guie à um lugar seguro para que a obra tenha um começo, meio e fim. Em um violão, aponto para as notas básicas que formam uma harmonia entre as cordas – são os acordes – tônicas, terças, quintas e suas oitavas, às vezes uma sétima e por aí vai.
Peço que em um leve esforço se imagine uma música. Esta música em sua plenitude poderia ser a sua família, escola, bairro onde tudo acontece em um andamento único. Voltamos às tônicas, terças, quintas e demais variações, nesta analogia cabe o pai, a mãe e os irmãos.
Para que tudo soe bem, cada “corda”, ou seja, membro dessa família, deve estar devidamente afinado. A função de cada um ali é importante para o trabalho em conjunto. Se alguém não estiver bem, a família soará desafinada e a música tocará de forma dissonante como em um casamento que se acaba.
Havendo uma harmonia entre as notas teremos um acorde perfeito que ao lado de outros acordes formarão uma música, para isso também é necessário que um conjunto de acordes se harmonize. Aqui eu comparei o “acorde à família” e a “música à sociedade” onde se expande do seu instrumento para uma dupla, banda ou orquestra.
Melodia: o destaque durante o solo
Durante o solo, se destacar entre os demais é importante e necessário, porém o respeito pela base é imprescindível.
A melodia é aquele destaque que passeia neste caminho pavimentado pela harmonia.
Digamos que dentro da família, em um determinado momento, um filho entra para a faculdade, vai fazer medicina. Este é o momento solo deste filho que se destaca. Para os acordes dissonantes ficam os casamentos acabados, faculdades não concluídas, mas que a vida seguiu em seu ritmo e harmonia diferenciada.
Uma música bem tocada é uma vida bem vivida, tendo as suas diferenças, independente dos acordes e ritmos escolhidos. Na hora do nosso solo, precisamos saber o tempo certo de entrar, pausar e finalizar. Devemos lembrar que estamos sobre uma linha harmônica desenhada por outras pessoas e estas esperam o melhor de nós.
Saber improvisar é necessário. Ter aquele jogo de cintura, não querer ser mais e não poder ser menos, pois é o momento de se destacar solando e respeitando toda a harmonia.
Na educação musical carregamos a base de uma sociedade harmonizada. Todos nós temos o nosso tempo de destaque e precisamos respeitar o momento do outro pois dependemos disso para que a sintonia seja fina.
“Nem sempre uma família sem base forma um músico desarmonizado, assim como nem sempre uma boa escola de música forma um excelente cidadão”.
Equalizar o conhecimento ao aprendizado depende da sabedoria de cada um. Respeito, cidadania e educação são muito mais fáceis de se entender com a visão de dentro, de quem vive a música. Todos esses conceitos de sociedade se tornam muito mais palpáveis.
É algo que se vivencia na prática quando tocamos em uma banda. Eu me estenderia facilmente ao citar outras artes também, mas a nossa conversa aqui é sobre música. Hoje, vejo que as artes estão rasas demais. Todos estão falando as mesmas coisas. Querem se destacar, ser diferente, fazendo tudo o que os demais fazem, sempre da mesma forma. É lógico, assim é impossível, não está funcionando. Tudo está igual.
O medo do novo foi estipulado pela regra da carteira cheia, aceitação do próximo e da assertividade de fácil aceitação pelo comum que o nosso cérebro nos impõe. Ser diferente, buscar o que é mesmo novo, incomoda, exclui e lhe coloca de lado.
Em um outro texto por aqui, escrevi sobre executar uma música nota a nota, como na gravação original ou simplesmente ser criativo e tocar a “versão do artista” com improvisos e versões próprias. Claro que a cópia é garantia de casa cheia e a “versão do artista” não sai da garagem.
Bom senso e harmonia
Equalizar o bom senso para harmonizar com o mercado seja social ou musical faz-se necessário até mesmo nas críticas.
Aprendi que precisamos ser políticos de coração, entender com profundidade antes de dar opiniões sinceras para podermos nos harmonizar ao contexto. Musicalmente falando, hoje toco o que gosto e porque gosto de música. Estou em desarmonia musical com o atual momento. Não me encaixo em um mercado onde “todos” estão viciados em métodos, mas não os condeno. É uma outra geração e para eles é a realidade. É o normal. Estaríamos em cavernas ainda por defender o “antigamente era melhor”.
De um modo geral, não preciso gostar da maioria das músicas que tocam atualmente. Tenho as minhas críticas com bases e conceitos adquiridos por mim ao longo dos anos, então pratico o que acredito e também compartilho com aqueles que pensam da mesma forma.
Então quando pensarmos em harmonizar, vamos lidar com a situação de equalizar os momentos, sejam eles com os acordes perfeitos ou com os dissonantes em suas tônicas terças, quintas e demais variações.
Vamos também sempre nos dispor sobre a possibilidade de um solo nosso. Um lugar, que seja por um breve momento, de destaque respeitando aqueles que nos dão a base para brilhar.
Na vida essa base costuma ser a nossa família, tenha ela a harmonia perfeita ou dissonante.
