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O tabu da maternidade no esporte e a publicidade

O tabu da maternidade no esporte e a publicidade blog design com cafe
Brunella Rizo

Brunella Rizo

Capixaba, publicitária e pós-graduanda em Comunicação e Marketing Digital. Tenho experiência na área de atendimento, planejamento, execução de eventos e gerenciamento de mídias sociais. Atualmente, sou coordenadora da equipe de atendimento publicitário na agência Resultate.

Resolvi falar de um assunto que é tabu entre muitas mulheres atletas, e como eu pratico alguns esportes consigo ver essa realidade de perto – não que eu seja atleta, mas estou inserida no contexto – e quis relacionar com a publicidade.

Aproveitei inclusive a nova propaganda da marca Nike lançada no dia 14 de março de 2021 chamada “The Toughest Athletes” para exemplificar o tema.

Publicidade de gênero 

Antes de falar mais sobre esse vídeo, é importante abordar a publicidade de gênero, que está muito relacionada com esse assunto. Ainda muitas mulheres são representadas de forma estereotipada e ultrapassada, o que se tornou inaceitável.  

Hoje busca-se formas de representá-las de maneira empoderada, transmitindo mensagens positivas.. 

The Toughest Athletes

A Nike conseguiu exemplificar a força de uma mãe atleta atrás do vídeo “The Toughest Athletes”. O novo comercial contou com atletas grávidas e lactantes, reforçando a relação da gravidez com o esporte e mostrando as fases até o pós-parto. 

Claro que além de fazer bonito, a Nike também quis vender, pois o comercial foi feito para falar da linha de maternidade, feita para apoiar as mulheres durante todo o período da gestação, a ultramaratona chamada maternidade. 

Bate papo rápido com quem entende do assunto!

E para falar um pouco mais sobre o assunto que envolve maternidade, mulher, esporte e publicidade, eu conversei com a Mariana Zuaneti Martins, que conheci através do esporte e é estudiosa na área. 

Ela é graduada em Ed. Física e Ciências Sociais pela Unicamp. Atua na área de ensino-aprendizagem-treinamento de esportes coletivos, com ênfase na participação esportiva de meninas e mulheres.Coordena também um grupo de estudos sobre gênero e esporte, a GRUPA, onde orienta pesquisas sobre tal temática. Já perceberam que a mulher é sinistra, né?

Aproveitei todo o conhecimento que ela tem e fiz algumas perguntas, confere aí porque vale cada resposta: 

1- Dentro do esporte existe um tabu quando o assunto é gravidez/maternidade x mulher atleta. Qual a sua opinião sobre isso? 

Há uma carência relativa de estudos sobre a gravidez e participação esportiva. Infelizmente, a área do treinamento esportivo ainda trata a mulher como se fosse um homem com uma capacidade física inferior.

Há poucos estudos sobre as adaptações ao treinamento que levam em consideração a oscilação hormonal específica das mulheres. Como consequência, as condições, benefícios e riscos para participação esportiva das mulheres é ainda um campo de grandes desconhecimentos.

Isso é fruto de uma série de discursos culturais e históricos que inclusive desaconselhavam a prática esportiva de mulheres em função do seu aparelho reprodutivo. Por exemplo, futebol, artes marciais e uma série de outras modalidades esportivas foram proibidas para mulheres (no Brasil e em diversos países do mundo), em 1941, sob justificativa de que tais práticas eram incompatíveis com sua natureza (reprodutiva). Tais modalidades ficaram proibidas no Brasil até 1979. Ou seja, até pouquíssimo tempo atrás, ainda se pautava em lei tal assertiva e isso traz consequências até os dias de hoje.

No âmbito cultural, é comum tratar as mulheres grávidas como “incubadoras” de crianças e regular seus comportamentos, vontades e desejos de forma exagerada em função da saúde do bebe. Nesse sentido, se uma prática pode levantar suspeita de risco, ela já é vetada, antes mesmo de estudar quando e como de fato esses riscos se apresentam. Quando se trata das mulheres atletas, é comum que elas sejam aconselhadas a postergar a maternidade para o pós carreira – independente das consequências dessa decisão.

Isso ainda é acentuado pelo fato de que, em muitos esportes, a condição extrema de treinamento (ampliadas pela pressão para um determinado tipo de corpo), acaba colocando muitas atletas em situação de amenorreia (interrupção de ciclos menstruais). Essas circunstâncias contribuíam para a escassa disponibilidade de imagens de mulheres atletas grávidas. 

2- Você concorda com o argumento que as atletas femininas possuem mais dificuldade de patrocínio que os homens?  

Há uma série de reportagens que têm mostrado que, embora algumas federações esportivas tenham equiparado os prêmios femininos e masculinos (depois de muita briga das mulheres atletas pela equiparação); ainda assim os homens obtêm ganhos financeiros maiores por conta dos patrocínios.

O tênis é um dos exemplos cabais dessa discrepância. Embora as premiações internacionais venham se equiparando (a despeito dos protestos de alguns tenistas), a diferença de patrocínio ainda é cabal.

Futebol e basquete apresentam realidades ainda mais discrepantes. Não à toa, na última Copa do Mundo, a atacante Marta entrou em campo com um símbolo de protesto para pagamentos iguais. Ou seja, a diferença de patrocínio não é apenas um argumento; é um fato. A questão é qual seria a razão dessa diferença. Há quem argumente que os patrocinadores buscam menos o esporte feminino porque ele não levantaria o interesse do público. No entanto, os recordes de audiência que, por exemplo, o futebol de mulheres tem alcançado mostra que se antes isso não acontecia, era porque os próprios meios de comunicação e clubes inviabilizavam a prática.

Nesse sentido, as redes sociais e a produção e difusão de informação por meios alternativos contribuíram para que esse cenário fosse se transformando. E aos poucos temos visto mais mulheres ocupando espaços nos esportes. A questão é quando os patrocinadores perceberão esse mercado consumidor feminino e atuarão de forma mais assertiva nele. 

Essa questão do patrocínio também se liga em alguma medida à questão anterior em dois aspectos. Num primeiro aspecto é que, infelizmente, a questão estética e racial ainda tem sido um entrave para que algumas mulheres sejam patrocinadas. Embora existam muitas campanhas já contando com a diversidade em seus anúncios, isso ainda não é generalizado.

As mulheres ainda são cobradas por terem um certo tipo de corpo. Esse tipo de corpo, magro, esbelto, definido, muitas vezes, por mais paradoxal que pareça, se choca com as demandas do esporte. Por isso, muitas atletas entram numa condição chamada RED-S (relative energy deficiency in sports), demarcada pela baixa disponibilidade energética para prática. Com consequência, as atletas não atingem o pico de sua performance e podem entrar em amenorreia e ter dificuldade com a fertilidade. Ou seja, uma pressão e uma condição que impediria mesmo uma maternidade desejada. Em segundo lugar, embora algumas federações internacionais já estejam regulando licença maternidade remunerada, congelamento de posição no ranking etc, ainda assim algumas atletas têm alertado para a perda de patrocínio nesse período em que não estão competindo. 

3 – No vídeo, The Toughest Athletes | Nike (M), você que foi uma força de exaltar as mães, relacionando a maternidade com o esporte, ou você acredita que é “forçação de barra” e fizeram o vídeo para a divulgação da nova linha de roupas da Nike? 

Não acho que seja forçação de barra, mas considero que em última instância é sim uma estratégia da Nike para vender uma linha para mulheres grávidas. Mas isso não necessariamente é negativo. Veja, em primeiro lugar, a visibilidade é uma peça chave para o reconhecimento. Ver mulheres atletas grávidas, lidando com o corpo pós gravidez, com os dilemas da maternidade, puerpério etc, e mesmo assim ativas é uma mensagem importante para que as outras mulheres entendam que o corpo delas não é de vidro, rs. Ou seja, é uma chance das mulheres grávidas e mães se reconhecerem na vida ativa dessas mulheres da propaganda.

É uma forma também de normalizar algumas das consequências da gravidez também; de dizer que um corpo mais pesado também pode praticar esportes (e inclusive ter boa performance). Não que a Nike seja um símbolo da luta feminista, mas é uma empresa que percebeu que o limite de seus rendimentos também está relacionao ao limite de quem ela acessa com suas propagandas. Há anos a empresa vem apresentando uma proposta de diversidade, com mulheres, brancas, negras, asiáticas, africanas etc; corpos mais magros, mais fortes, mais cheios.

Enfim, a empresa parece ter percebido que precisava acessar os diferentes mercados para o consumo da vida ativa. De alguma forma então, em termos culturais, poderíamos dizer que a empresa contribui para a produção desses corpos diversos ativos. 

4- Gostaria de citar e compartilhar algum outro caso envolvendo a mulher, a maternidade e o esporte?

Uma última curiosidade (trágica) que seria legal comentar é que uma das assertivas que sustentou ess tabu no esporte competitivo era o argumento de que a gravidez (e o aborto) poderiam ser formas de doping “natural” e que as mulheres engravidariam perto de uma competição porque tal condição traria vantagens competitivas (por conta de taxas hormonais mais altas e maior oxigenação sanguínea na gravidez).

Essa argumentação ganhou espaço sobretudo na época da Guerra Fria, quando algumas nadadoras foram acusadas de engravidarem um mês antes das competições (e depois abortarem). Esse tipo de acusação levantou suspeitas sobre as atletas que por ventura engravidassem num ciclo competitivo, tornando um tabu essa questão. Hoje, a literatura científica não sustenta esse argumento de “doping” natural da gravidez; no entanto, ainda no senso comum ele persiste em alguns círculos. 

Consegue perceber a desigualdade de gênero, como ela ainda se faz presente? É por isso que devemos continuar lutando e representar cada vez mais as mulheres e toda sua força!

E para fechar: Se uma mãe não pode ser atleta, ninguém mais pode! 

Espero vocês no próximo artigo.

Obrigada pela leitura! 

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